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Com amor para Dandara


Nós matamos a Dandara. Nós assassinamos a travesti, que aparece em um vídeo que circulou na internet. Sentada ensanguentada no chão, ela recebe pauladas e chutes, entre xingamentos, por quatro homens.

Dandara era querida no bairro e ganhava a vida vendendo roupas, além de ajudar a mãe nas atividades domésticas.

"Meu filho (Dandara) não tinha inimigos, ele foi morto por preconceito. Por ser travesti, ele vivia sendo humilhado. Agora eu pergunto, qual o problema de ser assim, me diga. Açoitaram meu filho. Fizeram tanta coisa ruim com ele... Eu não tive coragem de ver, mas me contaram tudo. O senhor sabia que o sangue dele escorria pelo rosto, e ele ia limpando com a mãozinha assim? Minha maior dor é que ele chamou por mim. Enquanto batiam nele, ele dizia: ‘Eu quero minha mãe. Cadê a minha mãe?’ E eu não estava lá. Será que foi uma missão que Deus deu para meu filho? Dele ser sacrificado para ter essa repercussão internacional toda e mudar essa situação? Desculpe por eu estar chorando, mas eu não consigo parar de chorar”, disse Francisca Ferreira, mãe da Dandara, em um encontro com o governador de Ceará.

Nós matamos gays, lésbicas e transexuais diariamente. Matamos quando compramos o discurso da igreja. Matamos quando preferimos tapar os olhos das crianças para não ver um casal homoafetivo invés de explicar. Matamos quando rimos da piada sobre o "traveco" no bar. Matamos quando falamos a nossa filha para dizer que a namorada é apenas uma amiga. Matamos quando preferimos ficar em pé no ônibus do que sentar ao lado de uma travesti. Matamos quando preferimos não perguntar ao amigo gay como é a vida amorosa dele. Matamos quando pedimos para a prima não beijar a namorada dela na nossa frente. Matamos quando achamos que papos sobre sexualidade, gênero e feminismo são assuntos apenas de maconheiro esquerdista. Matamos quando preferimos não rever pensamentos, não se informar e não olhar o outro com uma dose de humanidade.

Eu juro que eu gostaria que o textão desta semana fosse sobre amores, paqueras e experiências positivas. Mas por Dandara não vai ser. Não tem como ignorar um crime que fez meus olhos encherem d’água em cada matéria que eu lia. Não tem como não lembrar de um amigo que pensou em várias vezes em suicídio porque os pais não o aceitam como ele é. Não tem como lembrar que pessoas morrem pelo simples fato de assumir a sua sexualidade.

Tem hora que a gente tem que olhar bem fundo na tragédia e apertar o play do vídeo em que o enredo é o humano sendo desumano. Tem momento que a gente tem que deixar de ser pacífico e gritar por todas as Dandaras que morreram, morrem e vão morrer. Tem situação que a gente tem que perceber que a bandeira arco íris tem que ser de todos. É necessário encarar a nova realidade com conhecimento, empatia, coragem e coração.

Fazendo a pesquisa sobre o caso Dandara acabei caindo em uma página que contava a história de outra Dandara. A Dandara heroína negra, mulher do Zumbi e responsável pela liderança feminina na República dos Palmares. Segundo os historiadores, Dandara se suicidou ao se jogar de um pedreira ao abismo para não retornar à condição de escrava.

Duas Dandaras. Uma de 1694. Outra de 2017. Morreram simplesmente por ser quem são. O tabu constrói assassinos. O preconceito mata. O silêncio alimenta o ódio. Existem vários tipos de mortes. E não deixar alguém ser o que é, também é um tipo de assassinato.

Querida Dandara, não foram os humanos que se livraram de uma travesti. Você que se livrou dessa humanidade que se acha tão pura que pode sacrificar o outro por ser diferente.

Lembro que quando jogaram pedras na Maria Madalena, Jesus estava ao lado dela. Pelas Dandaras, por mim, pelo amor e pela paz, eu sei em qual lado da história quero estar.

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