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Respira e pira


É real/oficial que eu não sei tirar selfie.

É fato, comprovei durante a quarentena.

Toda posição que coloco a câmera, não me valoriza.

Meu sorriso fica forçado, pois tenho que rir pro celular e me sinto um idiota.

Não é imbecilidade ficar rindo para um aparelho eletrônico e, depois, colocar diversos filtros com uma legenda inspiradora?

Quando tiro selfie, tenho a mania de virar o rosto pra fazer um charme e parece mais que tô com torcicolo.

Meu rosto não tem simetria.

Desisto.

Já pedi ajuda pra minha amiga Marina, a rainha das selfies mais bonitas, mas não aprendi.

Tirei 987654321 selfies e nenhuma ficou boa.

Nenhuma olhei e pensei: ah, esse cara vai conquistar o crush.

Absolutamente, Roberto Carlos, esse cara não sou eu.

Não tem filtro.

Nem celular da última geração que me salva.

Não sei fazer selfie.

Meu cabelo tá horrível.

A barba não tava legal e raspei.

Tive um quase surto a lá Britney Spears e só quem entende de música pop vai entender a referência.

Minha pele não tá boa.

Minha autoestima tá lá embaixo.

E ainda dizem que nós leoninos somos os reis da vaidade.

Tô solteiro, sem saco para Tinder, sem paciência para manter os contatinhos, não estou no clima.

Quando acabar a quarentena vou procurar todos.

Sou um filho da puta, eu sei.

Nesta quarentena, tentei fazer yoga, mas não consegui e essa positividade toda no meio de uma pandemia me irrita, ô caralho!

Procurei no youtube uns vídeos de exercícios para fazer em casa, umas danças aí, mas apertei play e a videoaula acabou e eu ainda estava sentado na cadeira. Tava tão gostoso apenas ficar vendo o pessoal dançar.

Faça yoga,

pratique atividade física,

coma vegetais,

mentalize,

e leia apenas as boas notícias.

O mundo nos diz e nos sufoca.

Positividade tóxica em plena pandemia,

NÃO.

Tentei ser chef de cozinha.

Cozinhei escutando música e bebendo skol beats numa taça pra dar um clima. Copiei o pessoal do instagram. Quando eles postam parece ser tão legal.

Mas pra mim não funcionou.

Chato!

Além disso, beber em casa me dá sono.

Pra dar um up na minha autoestima, pedi ajuda pra Marina, a rainha das selfies mais bonitas, e ela me indicou uns cremes de pele e um massageador com uma pedra mágica que deixa o rosto mais jovem.

Não tenho certeza se é isso mesmo, não briga comigo, Marina, a rainha das selfies mais bonitas, é nisso que eu quis acreditar e toda noite que esfrego o massageador no meu rosto, confio que estou ficando mais bonito por causa da pedra abençoada e os produtos mágicos.

Comprei umas tintas de tecido pra fazer umas roupas.

Vi 333 tutoriais de como fazer um camisa tie dye.

Tenho certeza que vai ficar uma merda, mas vou fazer.

É pra passar o tempo, já que eu não posso sair.

Estamos numa pandemia, tá sabendo?

Morro de inveja dessa galera que tá indo em shopping, na rua, fazendo festa.

Morro da inveja da burrice deles, de verdade.

Queria ser alienado e burro.

Acreditar na terra plana e que o vírus é uma invenção do Willian Bonner com a China.

Seria tão mais fácil viver.

Não tenho paciência para chamada de vídeo em grupo,

Acho festa on-line com os amigos a coisa mais deprimente do mundo.

Me desculpa, amigos, amo vocês, juro!

Me sinto culpado que não faço nada para o meu país.

Vi todas as lives e não ajudei nenhuma com doação para instituições.

Queria ter uma quarentena produtiva.

Eu tô falhando.

Pelo menos tô lendo muito, uns 3 livros por mês, isso me deixa mais feliz.

Mas me sinto culpado em falar de felicidade em pandemia

E sempre que escrevo muito ‘mas’ no texto, lembro de um professor da faculdade que me xingava por escrever tanto ‘mas’, mas eu não consigo parar. Que raiva!

Já criei histórias para a vida dos meus vizinhos,

Terminei temporadas de séries em um dia,

Arrumei meu armário,

Comprei o que eu não precisava pela internet,

Olhei para o teto para passar o tempo,

Orei para Deus me salvar do tédio,

E xinguei.

E muito!

Quero minha família,

Os meus cachorros,

Os meus amigos,

As reuniões presenciais,

Os abraços,

Os beijos,

A fila da balada,

O pastel de toda terça-feira da feira,

Os esquentas na casa do Dudu,

O garçom do bar,

A liberdade,

O poder matar a saudade.

Tô puto com minha vida,

Com o governo,

Com o vírus,

Com 2020.

Quando tudo vai melhorar e a gente vai poder respirar?


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