Pão, circo, Neymar e Marcos
- Ramon Cotta
- 26 de jun. de 2018
- 2 min de leitura

Acordei com os gritos. Era dia do jogo Brasil x Costa Rica. Um jogo tenso, com Neymar caindo, Neymar irritado, Neymar encenando. Gol do Coutinho. 1x0. Foi isso que eu apostei no bolão do trampo. Ganhei, pela primeira vez, um bolão. Comemorei! Gooooooooool, Galvão gritou. Gol do Neymar. Porra, perdi o bolão e o culpado se chama Neymar. Fim do jogo. Neymar deitou no gramado e fez uma cena linda ao entretenimento, ao futebol, aos torcedores. E eu perdi a porra do bolão.
Voltei a minha atenção aos noticiários e me deparei com uma outra história. Marcos, 14 anos, que estava uniformizado indo a escola, com a mochila nas costas, quando foi surpreendido por um tiroteio, na favela carioca da Maré. Resolveu, então, voltar pra casa, mas, no meio do caminho, acabou sendo atingido por uma bala perdida. Neste placar, só neste ano, 8 crianças foram mortas vítimas de bala perdida no RJ. Uma média de uma a cada 21 dias. Em geral, meninos e meninas favelados que têm sua vida interrompida em confronto entre policiais e traficantes.
E ainda tem gente que acredita em meritocracia. E ainda tem gente que não entendeu que legalização das drogas irá diminuir o poder do tráfico.
No enterro de Marcos, sua mãe ergueu o uniforme manchado de sangue do seu filho e disse que essa, agora, é a sua bandeira por justiça. Em entrevista a imprensa, disse:
"Quando eu cheguei na UPA, Marcos estava com vida. Eu dizia para ele ficar calado, para ganhar fôlego. Foi aí que ele começou a gemer. A ambulância demorou uma hora para chegar. Meu filho já estava roxo, pálido, gelado. O beicinho dele já estava inchado. Ele estava falecendo ali na minha frente. A bala estragou tudo por dentro dele. A única coisa que ficou foi a pressãozinha dele, que foi caindo até chegar a óbito. Quando estava vivo, Marcos falou: 'Mãe, eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou'. Eu perguntei quem tinha atirado e ele respondeu: 'Foi um blindado, mãe, que não viu minha roupa de escola'.
E ai passei o dia pensando nesta mãe, qual seria o futuro do Marcos e das crianças que vivem numa realidade oposta a minha.
E pensei, claro, na copa, num momento de alienação. Vejo o futebol além do óbvio, com seus defeitos e qualidades. Um time de futebol é um país que deu certo. Um time de futebol é uma criança que faz do seu talento, uma arte, um futuro de trabalho digno. O esporte salva pessoas.
A seleção brasileira é a representativade do Brasil. Seis dos seus 11 titulares, cresceram sem a presença do pai, a maioria em bairros pobres, com mães tendo que desdobrar sozinhas para educar.
O Brasil é um leque de diversidade. É pão, circo, corrupção, fake news e Neymar. Mas também um país onde a polícia mata criança no caminho da escola.
Têm minutos que o que eu mais quero mesmo é comemorar um gol e ver os stories da Bruna Marquezine.
Mas têm dias que eu só quero saber: mãe do Marcos, como posso te ajudar?

























Comentários